Triennale mostra design que não sacrifica a beleza
11/03/2019
Já que a extinção da espécie humana parece certa, resta a nós planejarmos uma despedida ao menos elegante. Foi com esse pensamento que a curadora Paola Antonelli concebeu a exposição “Broken Nature: Design Takes on Human Survival” (natureza destruída: o design enfrenta a sobrevivência humana), tema da 22ª edição da Triennale de Milão, que fica em cartaz na cidade italiana até setembro.
“Se pensarmos no ser humano, um fim elegante pode significar uma morte heroica, numa batalha, ou estar em casa, com pessoas amadas, e praticamente adormecer. Há muitos jeitos bonitos de acabar. O que importa é deixar um legado positivo, e é esse fim que teremos que construir juntos”, diz Antonelli.
A mostra reúne cerca de cem projetos de designers, arquitetos, artistas e cientistas, que ora evidenciam os danos causados pelo homem, de forma teórica ou gráfica, ora propõem soluções práticas que possam reparar os estragos. E não só dos recursos naturais.
Aspectos sociais e econômicos estão na lista de temas, dilatando a noção corriqueira do que seja meio ambiente. Há obras sobre mudança climática, mas também sobre o sistema prisional americano e a força de trabalho por trás do alto-falante inteligente da Amazon, por exemplo.
O percurso expositivo começa com peças de grande escala, com destaque para a instalação audiovisual “The Great Animal Orchestra”, que ocupa uma sala inteira e tem duração de 98 minutos. O projeto foi desenvolvido há três anos pelo grupo britânico United Visual Artists sobre o acervo de mais de 50 anos de sons captados com precisão pelo músico americano Bernie Krause em sete paisagens do mundo, incluindo a Amazônia.
A mostra, gradativamente, se torna menos conceitual e ao final há objetos do cotidiano, como o coletor menstrual de silicone da Ruby Life (2011) e o teste de gravidez de papel da Lia Diagnostics (2018), que pode ser jogado no vaso sanitário.
A pesquisa de materiais alternativos, como era de se esperar, tem vasta representação. Foram selecionados produtos pop como o tênis lançado em 01 pela Adidas em parceria com a Parley, que usa plástico retirado do oceano, e a cova biodegradável Capsula Mundi, pensada para substituir os caixões. Embora o termo “design restaurativo” seja usado por organizadores para definir o evento, a própria curadora evita sua categorização.
“Eu nem sei o que é uma exposição de design. Se você perguntar a um italiano, ele vai pensar em mobiliário. Mas minha ideia de design é bem ampla. Arquitetura, planejamento urbano, videogame são formas de design. O design é basicamente qualquer esforço criativo que produz algo que possa ser usado por outras pessoas”, diz Antonelli.
Italiana radicada nos Estados Unidos, ela é curadora sênior de design e arquitetura do MoMA, em Nova York, onde trabalha há mais de 20 anos. Antonelli é responsável por ter levado para a coleção permanente do museu itens menos tangíveis como o sinal gráfico arroba, a bandeira arco-íris símbolo do orgulho gay e os primeiros emojis para celular, lançados em 1999.
Na Triennale, os móveis e acessórios para a casa, face mais conhecida do design, recebem atenção da curadora. Caso do tapete Mixtape, feito com resíduos de fitas cassetes e de tecidos, dos pratos e copos da coleção Anima, criada com restos de comida, e dos móveis para escritório da dupla Formafantasma, construídos com lixo eletrônico.
Outra barreira que Antonelli procura ultrapassar com “Broken Nature” é a de que o design restaurativo é feio. Sua seleção é relevante do ponto de vista ético ou ecológico, mas também do da aparência.
“Queremos que o design vá pelo mesmo caminho dos restaurantes. Eles foram criados no século 18 na França para oferecer comida saudável, mas acabaram virando lugares agradáveis, para ir com os amigos. O design pode ser ético, responsável e, ao mesmo tempo, sensual, bonito. Não precisa sacrificar a beleza”, diz.
É nessa linha que está o trabalho do Studio Swine, do britânico Alexander Groves e da japonesa Azusa Murakami. Eles desenvolveram em São Paulo, em 2013, uma oficina portátil para os catadores de material reciclado que derrete, com óleo de cozinha, o alumínio das latinhas. Os catadores, então, podem moldar o alumínio líquido em diferentes formas de bancos.
A Triennale de Milão busca retomar a relevância de sua exposição internacional no calendário de eventos de design e arquitetura. Criada em 1923, a mostra surgiu para exibir peças de estudantes de design e conectá-los com a indústria, mas foi abrindo seu olhar para temas como moradia, educação e o futuro das metrópoles.
Após um hiato de 20 anos, voltou a ser realizada em 2016, com a promessa de se manter trienal. Desde o ano passado, é presidida pelo arquiteto Stefano Boeri, premiado pelo Bosco Verticale, como são chamadas as duas torres em Milão que têm a fachada coberta por plantas e árvores.
Fonte:
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/03/triennale-de-milao-mostra-design-do-apocalipse-que-nao-sacrifica-a-beleza.shtml